A análise é uma droga

O processo analítico pode te entorpecer.

ESQUIZOANÁLISE

Diego Welerson

10/21/20252 min ler

Esses dias, relendo O Anti-Édipo de Guattari e Deleuze, me deparei mais uma vez com a relação ambígua que tenho com a esquizoanálise e seus pressupostos teóricos.

Tem ANOS que vivo uma relação tóxica com Deleuze e Guattari, às vezes tenho a impressão de que nunca terminei de ler nenhum livro desses dois, mesmo já tendo lido.

É sempre uma leitura não linear: começo, vou para o meio, volto para o começo, recorro aos escritos do @deivisonmiranda_ ou do @domenico.hur e sigo...

Nessas idas e vindas, retornei ao minicurso Introdução ao Anti-Édipo que Guattari ministrou em 1978, no Copacabana Palace, durante o Primeiro Simpósio Internacional de Psicanálise, Grupos e Instituições.

Um encontro curioso, ali, no meio do luxo do hotel e da ebulição política da época, Guattari acendeu uma faísca que parece ainda queimar.

Ele traduz com precisão muitos dos meus incômodos com a psicologia e com a psicanálise.

O inconsciente freudiano é redutor, é determinista, é o inconsciente de quem ainda acredita que o sujeito tem endereço e destino FIXO.

Um inconsciente de profissão liberal, como o próprio Guattari ironiza — o inconsciente de quem tem consultório, diploma, hora marcada e vida privada.

Mas o que fazer quando a vida transborda o privado?

Quando a miséria, o desejo e o poder invadem a sala de análise?

Uma análise tradicional pode tentar conter o caos, domesticá-lo, etiquetá-lo com diagnósticos e protocolos.

É uma droga pesada.

Uma droga que promete cura, mas o que oferece é anestesia.

Uma droga que faz o sujeito se voltar para dentro, e SÓ para dentro, até se esquecer de que vive num mundo.

Um narcótico da interioridade.

E não é de todo ruim esse ensimesmar, esse processo introspectivo, muito pelo contrário: é essencial, principalmente para elaboração.

Guattari dizia que a análise deveria ser um espaço de experimentação, não de adaptação.

Um lugar para desorganizar o eu, desmontar o teatro do inconsciente e abrir passagem para o que insiste em escapar.

E talvez seja isso o que mais assusta: perceber que pensar, sentir e desejar também viciam.

Porque há algo de químico em cada sessão, uma certa vertigem, um certo risco.

A cada encontro, algo se dissolve, algo se condensa, algo muda de estado.

A análise é uma droga pesada porque mexe nas substâncias do ser, reconfigura as moléculas da existência.

E, como toda droga, pode servir tanto para apagar quanto para despertar.

Depende da dose.

Depende do corpo.

Depende do mundo que se habita e do que se faz com o que ele injeta em nós.